Noite nessa cidade de papel...

O dia todo tomado pelo tédio; conversando entre minha playlist; café quentinho; noite de sábado; 22 horas da noite; a cidade ainda acordada lá fora...
Depois de tomar meu café, aguçado de ir ver o que ronda lá por fora, fui ao quintal e através do muro, via o horizonte e todas as coisas que faziam parte de si, lá em baixo. As estrelas em cima, tornavam a noite mais atraente. Noite sem lua; noite inquieta; noite de janelas abertas e portas fechadas; noite de uma cidade acordada.

No muro observava a vida que festejava lá fora, e o barulho das musicas ecoavam pelo vento e entoavam assim em meus ouvidos. Vidas alheias que comemoram a vida. E de dose em dose; as gargalhadas. E aquela pequena, não tão forte, vontade de me misturar em meio a essas doses e afogar o tédio que eu carrego e vomitar os meus sorrisos que estão aqui guardado. Sentir o calor com essas e pessoas, e pelo menos essa noite respirar a ilusão que sou eternamente feliz, sem me preocupar com o dia após amanhã. Mas hoje, sábado, estou com preguiça do mundo, e por ter noção que essa impaciência só diz respeito a mim, fico aqui, no único lugar que tem obrigação de me aturar por inteiro: na minha casa.

Todas essas casas que cobrem o horizonte lá embaixo, com suas luzes ainda acessas, alguns carros, motos e pessoas circulam nas ruas, gente indo de volta ao seu conforto. Olho através do muro o caos impacientemente organizado.

É um lugar de papel, cidade de papel, todas aquelas ruas sem saída, aquelas ruas que dão a volta em si mesmas, todas aquelas casas construídas para virem abaixo. Tudo daqui organizado, silêncio, pessoas fingindo estarem felizes, tudo limpo, Todas aquelas pessoas de papel vivendo suas vidas em casas de papel, queimando o futuro para se manterem aquecidas. Todas aquelas pessoas largadas no frio dessa noite, pessoas sem condições de ter esperança. Todas as crianças de papel bebendo a cerveja que algum vagabundo comprou para elas na loja de papel da esquina. Todos idiotizados com a obsessão por possuir coisas. Todas as coisas finas e frágeis como papel. E todas as pessoas também.
Eis o que não é bonito em tudo isso: daqui do meu muro não se vê a poeira ou a tinta rachando ou sei lá o quê, não dar pra ver todos os buracos na rua, mas dá para ver o que este lugar é de verdade. Dá para ver o quanto é falso. Não é nem consistente o suficiente para ser feito de plástico. É um lugar de papel.  Ali embaixo, em meio a desordem da cidade, mora também o que ninguém precisa, aquilo que as cidades desejam esquecer. Daqui da pra ver o quanto os cartões postais que implicam a beleza do lugar e guias turísticos, são ilusórios.

Quantos sonhos são ninados pelo barulho dessa noite? Quanta poeira cansada de vagar por ali se acumula? Sonhos estancados. Vontades reprimidas.
E essa noite, nessa cidade, outros iguais a nós repousam seus pensamentos, suas ideias tão cheia de sonhos remotos. Os pilares desses lugares construídos pelos invisíveis deste mundo.

O horizonte que eu vejo fica à parte. Cidades lotadas de gente vazia.

Percebi que olhando longe na vertigem de quem queria experimentar voar, na melancolia de quem liberdade apenas almeja.
O horizonte urge lá fora.

A sujeira da cidade não vaga pelas ruas, não é nas calçadas que ela se acumula, nem nos bueiros que ela se esconde. A sujeira se encontra nas pessoas, nas acomodadas com a vida medíocre que tem, nas que fingi não ver tudo isso, as desacreditadas de uma vida melhor; desacreditadas da mudança.
Se os farelos falassem, seriam as pessoas que narrariam; os entulhos das coisas que largamos pela nossa vida; sonhos jogados na valeta. As coberturas e os matos iludem a liberdade. Telhados escondem segredos e histórias. Telhas quebradas que concertam vidas partidas. O distante e toda essa noite clama a vida. A limitação nos proíbe.

Mas a vida segue, as paredes se reerguem, os matos cortados crescem, as casas se constroem, o muros se reedificam, a paisagem muda, os buracos são tampados, as pessoas acordam, o papel se tonifica; o papel vira cimento, da pedra se faz a areia; da poeira acumulada se transforma em lama, as crianças crescem e os pensamentos também; a beleza se mostra forte, e as pessoas iludem cada vez mais a liberdade e a utopia desse paragrafo no lixo.


Em meio ao caos e toda essa poesia empoeirada dessa noite, me recolho ao meu conforto. Jogando assim essa noite no papel; nada mais justo.

Comentários

  1. <3 Teus textos falam mais do que eu realmente consigo entender, por mais que eu entenda tudo, sempre parece que não foi nada <3 Parabéns, e que seu blog seja mais e mais conhecido e amado

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