Vidas que ninguém vê. Part1 (aconteceu no metrô)


Hoje, sexta feira, eu tendo que levantar logo cedo pra cumprir minhas responsabilidades. Muito sono, celular despertando, uma música que vai martelando em minha consciência até me despertar, 6 hrs da manhã, eu acordei. Mas um dia pra eu tentar pelo menos ser.

Levanto ainda tentando assimilar a vida despertando lá fora e aqui dentro.
Hoje vou ter que levar uns documentos na faculdade, levar minha Irmã pra ir com ela perambular no enorme labirinto de camelôs em buscas de acessórios pra uma festa de halloween/aniversário que ela está planejando.

Quem leva a gente até o centro é o meu pai. Ele colocou um CD de Legião urbana que ele tem no carro dele, na primeira faixa toca uma música que eu gosto muito, "Pais e Filhos", e foi aí que levei o meu dia naquele refrão, naquela música, naquele trecho: "É preciso amar (ah ah) as pessoas como se não houvesse o amanhã, porque se você parar (ah ah) pra pensar, na verdade não há..."

Resolvi minhas coisas e segui com a minha irmã ao centro da cidade procurar decorativos de halloween, aquela enorme bagunça de lojas, barracas e pessoas que mais parecem embriagadas, cada um esbarrando no outro. Durante muitas entradas em lojas conseguimos comprar tudo, ou quase tudo que queríamos comprar.

Chegamos na estação do metrô me deparei com uma cena que prendeu meu olhar, em uma família muito carente, um pai de família, uma mãe de família, e três crianças, um menino, o mais novo, e mais duas meninas. Pareciam meio que perdidos, desencontrados daquela pequena e suja modernidade daquele local, eles estavam perto de mim, o odor de quem não tomou banho, o odor de quem caminhou muito nesse sol cruel de recife, odor de quem é jogado ao acaso sem nunca ter escolhido, o odor de não ter a sorte de ter uma vida digna. 

Eles se alvoroçaram em conseguir pegar um lugar pra sentar, sem querer eu peguei a mulher olhando pra mim, como se por um instante decifrava o que devaneios passavam por mim. Desviei o olhar para o trem que abria a porta e aquelas pessoas, desesperada pra pegar um assento como se a sua vida dependesse daquilo. Eu e minha irmã não fizemos questão, ficamos em pé. A família toda conseguiu se sentar, menos mal.
O pai se levanta e começa em uma falácia naquele trem, relatando a sua situação: "Sou um pai de família, tenho cinco filhos, minha esposa sofre de um problema mental, o pior de todos, a esquizofrenia. Já tentou matar seus filhos, dizendo que as "vozes" pede pra ela fazer isso, perdeu a guarda de todos, eu e os meus pequeninos que cuidamos dela, somos de Pesqueira - uma cidade no interior de Pernambuco - estamos aqui porque minha esposa precisa se tratar. Em nome de Deus, que ele possa tocar em seus corações, não temos onde ficar aqui, qualquer ajuda é bem vinda, fiquem com Deus, ele ama todos".
Foi aí que tudo fazia mais sentido, aquele jeito, aquela mulher, aquela família, aquelas pobres crianças, aquela situação, aquelas vidas, aquelas pobres e humildes vidas.
Alguns ajudavam, outros simplesmente ignoravam o fato, faziam caras feias, poucos olhavam, pouquíssimos ajudavam. Eu não entendia o porquê das pessoas ignorarem aquilo. Porém ciente que das pessoas, seus orgulhos, seus amores próprios, suas ignorâncias.
Eu que não consigo ver alguém pedindo esmola na rua e já me dar uma vontade de entregar todo os meus centavos, fiquei triste com toda a cena.


Foi por um instantes, eu e meus pensamentos foi capturado quando a menina mais velha, uns quatro anos começou a cantar uma música gospel, aquela voz doce, serena e incrédula de todo o mal desse mundo, voz cheia de esperança. Cantava uma música, segundo a mãe falava com todo orgulho que aprendeu na igreja, era mais ou menos assim: "A minha vida é do Mestre
Meu coração é do meu Mestre
O meu caminho é do Mestre
Minha esperança é meu Mestre... "
Pobre criança, eu pensei. O que será que o futuro reserva a ela? Quantas dificuldades ela terá até perceber a crueldade desse mundo que não favorece a eles? Quantos sonhos dessa família ainda serão destruídos?
Eu dei uns trocados que guardava ao senhor que quando viu se encheu de alegria, a mulher e as crianças sorriram, o senhor trocou palavras comigo: "Muito obrigado meu jovem, mesmo, deus está contigo, que ele lhe proteja e esteja sempre contigo." senti-me com um orgulho imenso, outras pessoas viram meu ato, um ou duas também ajudaram. Foi aí que percebi, o que aconteceu no meu dia não se comparava o dever cumprido, a tamanha felicidade dentro de mim por aquele ato.
Eles desceram na próxima estação. Corpos abandonados, a tristeza estabelecida, não consumada, havia algo neles, esperança e alegria pelo pouco daquele dia, olhos denunciando histórias vividas e sofrimentos não cicatrizados, quantos sofrimentos e tristeza a vida ainda tinham a lhe oferecer e ainda lhe obrigarem a erguer cabeça e sorrir. Que ninguém naquele trem parou, quase ninguém acordou a aquela realidade entre muitas nesse mundão, ninguém viu a vida que ninguém vê, quase nada aconteceu pra eles, em mim aconteceu algo. Enquanto o trem se locomovia ainda pude olhar pra trás, tudo ficando menorzinho, tudo deixando pra lá, a vida flutuando, voando, perdida sem o chão pra se agarrar.
É a sina de nada poder fazer do tudo que poderia. É a sina de não poder abraçar sem braços nem pegar no colo as dores do mundo...

O universo às vezes nos empurra ao azar, as estatísticas, sem ao menos escolher. Nesse dia eu vi o quão os meus problemas eram minúsculos comparando à aquela familia, o quanto é lixo as minhas reclamações estúpidas e vazias.
Mas também dormirei um pouco feliz em meio a toda essa tristeza empoeirada que a esperança nasce dos nossos baques. E que o universo, um dia, chega ao nosso favor.

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