A morte

    Um último suspiro. Uma última visão do que se pode chamar mundo. Onde as cores são tomadas pela escuridão. As últimas batidas do coração esvaziado como a jarra com água que se quebrou. Os pulsos não impulsa mais nada.
Escuridão. Apenas a escuridão. Será assim a morte?

    Certo dia, num dia desses qualquer. Há um tempo atrás, quando a minha família teve que ir resolver algo em um cemitério no interior do estado de Pernambuco. Eles deviam esta resolvendo alguma coisa do túmulo de algum parente, que lá já estaria enterrado, sua carne consumada em pó, em um lugar minúsculo, com mais outros túmulos ao redor, lutando por um espaço. Havia flores plantadas perto da entrada, flores brancas daquelas pequenininhas que crescem sem querer, trazida pelo destino do vento. Assim como é a nossa vida. Como esse pólen que foi levado pelo vento e foi parar ali... Em um cemitério. Onde mortos disputam espaços à 7 palmos do chão. Onde túmulos também são plantados, não pelo vento, ou pássaro, mas pelo título da ultima memória. Do cortejo para visitação de memórias e emoções vividas dos ex-vivos.

    E foi nesse dia, nessa primavera. Em um lugar muito longe da minha casa, estrada de barro, de ventos que esquentam a alma. Ventos quentes desse nordeste, dessa parte que enfrenta esse sol que parece castigar, que nem no inverno dá algum sossego. Matos que tornam o caminho de terra até esse cemitério. Em uma vila pequena, casas de Barros, casas daquelas de arquitetura antiga, arranjada, eu as acho bonitas. Bonita digna de uma história de um povo quase que esquecido. Quando as vejo me vem devaneios das vidas que ali enfrentam a tarefa árdua de se sustentar e mesmo assim sorriem, um sorriso enrugado, dentes entreabertos mostrando que sé é possível encontrar alegria ali.

    E foi nesse dia que entrei pela primeira vez em um cemitério. Não pra presenciar algum enterro, mas para visitação de um túmulo, do ultimo lugar em que os seres dessa terra há de morar. Eternamente.
Depois desse dia até agora só fui mais uma vez à algum cemitério. Da última vez foi o enterro de duas conhecidas da família. Tristeza em dobro. Foi aí em que eu vi tantas lágrimas que se enterram junto com o ente querido que fosse embora.
Depois desse dia, nunca mais fui. E nem quero ir outra vez. Mas essas coisas ninguém tem querer.

    E hoje, nessa terça feira que pairava sobre mim pensamentos fúnebres, pensamentos que matava toda vontade de ir dormir. E crescia uma vontade de escrever sobre essa questão. E estou aqui...
A morte é encarada de muitas maneiras. Entre crenças e ideologias.
A morte é o ponto final de uma história.
A eterna interrogação entre o céu e o inferno. Uma interrogação que assombra e conduzem vidas ao temor do que vai além da morte.
O que vai além da morte?
É o escuro total? É rondar outras dimensões? Reencarnações? Céu? Inferno? O nada? Ou o tudo?
Bem, eu não sei e ninguém sabe. Ninguém voltou da lá pra nos contar.

A morte assombra vidas.A vida é preenchida de uma interrogação.As pessoas vivem como se nunca fossem morrer e morrem como se nunca tivessem vivido.É o céu e o inferno repartido ao meio.Viver é morrer. É o dia que não terminou! O sonho que se acabou. As horas que não passou...A Vida que não se viveu. A história que não se contou.Foi o tempo perdido e agora o tudo terminou. 

O inconformismo, a lamentação, a evocação reiterada de quem se foi, a tristeza e a dor de quem ficou. A realidade em nossas mãos, a realidade que nos tornam. As lágrimas que são sepultadas a sete palmos.

    Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não acha graça de si mesmo. Morre lentamente quem não troca de ideias, quem não troca de marcas, quem não experimenta os sabores, quem não enxerga as cores. Morre lentamente aqueles que se aprisionam a uma rotina sem graça, morre aqueles que se alienam a uma cultura que só alimenta o mal. Morre lentamente aqueles que muito resmungam a vida que tem. Morre lentamente aqueles cobertos de ganância. Morre lentamente quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho, quem não se permite, uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos. Morre lentamente aqueles que não podem sonhar.
Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da chuva incessante, daquelas chuvas que navalham na alma o cansaço de não ter feito nada e acusar a sorte, sendo ela inocente. Desistindo de um projeto antes de iniciá-lo, não perguntando sobre um assunto que desconhece e não respondendo quando lhe indagam o que sabe.
E Morre muita gente lentamente, e esta é a morte mais ingrata e traiçoeira, pois quando ela se aproxima de verdade, aí já estamos muito destreinados para percorrer o pouco tempo restante. Que amanhã, portanto, demore muito para ser o nosso dia. Já que não podemos evitar um final repentino, que ao menos evitemos a morte em suaves prestações, lembrando sempre que estar vivo exige um esforço bem maior do que simplesmente respirar.
Estar vivo vai além de qualquer coisa, morrer vai além de qualquer nada.

    A morte é uma senhora anciã. Uma senhora que não espera o depois do amanhã, ele sempre aparece no amanhã. Ela é uma senhora apressada, não espera por nada, nem orações ela escuta, nem as histórias mais bonitas e encantadoras ela vê. Ela é cega, ela é muda, ela é surda.
Veste uma capa preta remendada de histórias, de lágrimas e de sofrimentos.
Ela é uma senhora insensível.
Ela pode está te esperando aí, do teu lado, atrás de tua porta, em qualquer esquina.
A morte é uma estrada desconhecida a qual todos somos submetidos a percorrer.
É um abismo neblinado de vidas que não viveram o suficiente.
Ela é uma senhora que conta histórias, e quando ela conta uma história você deve parar pra escutar.

    Toda vez quando alguém morre reflito também a minha vida. Como se uma parte minha tivesse ido junto por um momento. Penso quantos sonhos e histórias interrompidas aquela alma carregava. Penso o quando essa alma tinha pra fazer aqui na terra, quantos sonhos deixaram de realizar esperando o amanhã. E agora...
O amanhã não existe mais. Os sonhos são interrompidos. E a última morada a baixo de sete palmos. Existem aqueles que se negam ao destino do cemitério e prefere que seja cremado como o último cortejo reduzido a pó, pó somente pó. No final todos viram pó.
Duvidas e interrogações de como será após a vida ninguém sabe.
Viver o hoje temendo o amanhã é o que os homens deveriam fazer.
Encerrar esse capítulo da vida com boa parte doa sonhos vividos.

No final somos somente o pó....

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