Um blackout
E num rompante do que se era calculado, o
pó desvairou nesse chão. No chão que eu acreditava pisar. Em um chão que era
sólido. Era... Deixou de ser.
E sentenciou
o caos.
E agora eu
flutuo por aí.
Meus pés
vagam sem repousar em terra. Meus pensamentos me jogam de algum abismo. Em um
território conhecido.
Na penumbra de um dia cheio de dúvidas que
vem chegando eu me escondo debaixo de meu lençol. Meus olhos grandes de
olheiras revelam a solução sem pesar na noite traiçoeira. Em meu coração tem
segredos que conduzem a solidão.
Ao léu que
em mim repousa adormece minhas pupilas.
Os cascos da
realidade esmagaram minha alma.
O que era
essência encampou a consciência.
Com uma
vivacidade e uma fúria que me tirou o sangue.
O mesmo
sangue que derramou injúrias.
O mesmo
sangue que virou vinho e saciou a sede.
Era um dia de frio. O céu desvairava de nuvens que expandiam um cinza
amargurado. Eu andando pelas ruas onde não se encontrava ninguém no lugar. Era
eu, sozinho, acompanhado de meus pensamentos. Gritei em silêncio. E observei ao
longe um cachorrinho, largado e solitário. Abandonado. Ele tremia pelo frio que
fazia nesse dia. E olhei em seus olhos piedosos que murcharam a me ver passar e
não lhe ajudar. Eu não poderia ajudar-lhe, não havia como nesse momento. Senti
pena, mas tinha que andar.
E segui
andando, indo em direção à parada e peguei um ônibus e no ônibus acompanhei os
olhares das pessoas ali. Muitas têm pupilas opacas e, junto com os ombros pra
dentro, sentidos voltados à problemas particulares. Esculpiam a imagem de uma
infelicidade crônica, olhos secos e assassinados. Olhares que acompanham seus
pensamentos em uma viagem de devaneios. E quando encontro um olhar iluminado.
Um sorriso costurando aquela face e me bate uma vontade de intimidar aquele
olhar e perguntar o que se esconde atrás das pestanas, atrás desses olhos.
Cheguei em
casa a noite, cansado pra variar. Hoje foi um dia de pessoas caladas e olhos
falantes.
Como se o
dia fizesse com que as pessoas viajassem em sua linha de pensamentos à lugares
distantes. Sendo esses lugares legais ou ruins.
Foi nessa
noite, desse dia calado e olhares assassinados em que também me matava.
Julgava-me o sangue derramado, a luz que
foi queimada. A vela que algum estúpido apagou.
Eu, eu mesmo
me sentenciava a morte.
Por que
fazemos coisas estúpidas? Tipo apagar uma vela em meio a um blackout.
Foi tipo
isso que aconteceu comigo. Eu mesmo me tirei o chão. Pude abrir os olhos a
realidade esmagadora que é a vida.
Era uma
noite pacífica, as nuvens cinzentas cobriam as estrelas. Cobriam todo
sentimento que não há.
Já era madrugada quando me afogava em
nesse escuro e olhava pra cima. No meu quarto onde uma imensidão sucumbia em
meus olhos, que largavam para tentar enxergar algo. Com o tempo meus olhos
acostumaram com o escuro e pude ver as formas das coisas ali em meu quarto.
Todos dormiam aqui em casa. Lá fora o mundo se aconchegava em seus lençóis e
viajava em sonhos. Uma chuva calmamente se iniciou, e em meu telhado mais pareciam
navalhas, aquelas chuvas tórridas que lavam e cessam angústias em mim. E me
lembrei do cachorrinho mais cedo e me perguntei se ele estará protegido dessa
chuva tórrida que navalhavam essas gotas que mais parecia querer entrar em
minha casa numa tentativa fúnebre a cair no chão.
E por um
instante me encontrei naqueles olhares de mais cedo. Naqueles olhares secos e assassinados.
Agora eu quem sentenciava minhas pupilas perdida em algum abismo de
pensamentos.
Foi um blackout que houve em mim. E eu
fugi sem sair do lugar. O escuro, meu companheiro fiel me abraçava e exalava a
solidão.
Confusão! Em
mim habita a confusão. Confusão como nesse texto.
A lucidez e a complacência da minha loucura
constroem pontes entre arrependimentos.
Haverá um
dia em qual decidirei lutar até a morte contra todas as minhas faces.
Nesse dia
morrerei, mesmo que vença. Jamais poderei me livrar de mim mesmo. Não
compreendo a lucidez, me tornei inconstante e apegado aos devaneios. Nesse
blackout não encontro minha lanterna, apaguei as minhas velas.
Foi por
acaso que me tornei tudo isso, tenho um caso de extrema afeição pela loucura.
Um mergulho profundo no rio raso da complacência, apenas mais um estranho e
confuso caso de desentendimento.
As estrelas foram
convertidas em caos.
O bem no mal.
A paz na guerra.
Já não sinto mais os
clamores das minhas fases de outrora.
Os gritos são
suprimidos.
O tudo dividido em
dois.
A minha identidade
voou até a lua e lá ficou com as estrelas.
Sou a saída
dos extremos.
Sou a treva
e a luz.
Sou a
esperança e a solidão.
Sou o
blackout.
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